Quebrando o Espelho da Auto-Reflexão

10:39

Quando escolhemos os caminhos que seguimos na vida, inegavelmente, escolhemos uma certo modo de interpretar tanto o mundo quanto a nós mesmos. Essa escolha mostra que não somos naturalmente isso que assumimos como sendo o nosso eu, como sendo o 'nosso modo de ser'. Isto é, a nossa auto-imagem é produzida, ela é um artifício. Fossem outras as escolhas que uma pessoa fizesse, outra seria esta pessoa. Talvez o mesmo ocorra com o mundo em relação às épocas.
O sentimento de pena, que parece surgir do fato de algumas pessoas serem sensíveis a que nem todos têm as mesmas oportunidades, se origina de nem todos partilharem nossa visão de mundo, ou nosso mundo, que invariavelmente consideramos superior. Aceitamos a existência de outros meios humanos, mas tacitamente os consideramos inferiores, como no caso da pobreza, da favela, do meio rural e assim por diante. O sentimento de pena nada mais é do que auto-compaixão disfarçada, nos agarramos numa imagem estática que temos de nós mesmos em cada instante de nossas vidas.
Aos olhos de uma mosca a teia que a aranha tece, para capturá-la, é invisível; o mesmo ocorre com a auto-reflexão: vivemos em meio a filamentos invisíveis que nos prendem na auto-reflexão. O exemplo mais claro desta característica é o diálogo interior: passamos quase que todo nosso período de vigília conversando com nós mesmos, num diálogo interminável sobre o como devemos agir ou pensar e que muitas vezes substitui tanto a ação quanto o pensamento.
Quando pretendemos viajar para além de nossos padrões de percepção, de comportamento e de pensamento, a auto-reflexão, agindo como uma âncora, não nos deixa partir. Isto é, não basta desejarmos ter consciência no interior de nossos sonhos para que tal coisa ocorra. Não basta desejar mudar o cerne de nossa vida para que tal mudança se efetue. É preciso quebrar, mesmo que momentaneamente, o domínio que a auto-reflexão exerce sobre nós, só assim conseguiremos modificar o foco de nossa percepção e de nossa consciência.
Mas como quebrar este domínio da auto-reflexão? Uma das primeiras dicas de Carlos Castaneda é rir de nós mesmos, rir de nossos hábitos enclausurantes. Criar novos hábitos, ao estilo non-sense, para quebrar a fixação de outros hábitos que nos perseguem a vida toda. Começar não apenas a ocupar todo o nosso tempo com as coisas que fazemos, entrar também no não-fazer. Não-fazer algo: propor-se uma tarefa absurda e tratar esse absurdo como se fizesse todo o sentido do mundo. Algo como só olhar para as sombras por 40 dias, ou outra coisa qualquer.
Isso nos leva a parar o diálogo interior, principal fonte de alimento de nossa auto-reflexão.
Acima de tudo é preciso não ficar com delongas, não agir com luvas de pelica, quando se trata da auto-reflexão. Rir não é um estado mental abstrato, é dar gargalhadas quando nos pegamos agindo motivados por pré-conceitos, por regras morais, ou simplesmente pela repetição de um modo de agir ou de interpretar algo. Sem dúvida este simples ato irá abalar nosso foco de consciência, permitindo que agarremos nossa diferença e a arremessemos rumo ao infinito!
Sérgio Nery.

You Might Also Like

0 comentários

Popular Posts

Like us on Facebook